Originalmente publicado em 10 de junho de 2018 no Jornal na Pauta online.
Quanto a monarquia britânica custa ao contribuinte?
O Reino Unido não esta dividido com o Brexit apenas, mas com o apoio a favor da Coroa também.
A família real mais famosa do mundo conta com um movimento de oposição que tem crescido demasiadamente nos últimos anos. Muitos dos países membros da Comunidade das Nações já declararam que terão Referendo Público para decidir se Elizabeth II continuará sendo Chefe de Estado ou não. É bem provável que Escócia e Jamaica marquem já para o próximo ano.
De acordo com o tesoureiro real, a família real custou ano passado mais de 70 bilhões de Libras (cerca de 350 bilhões de Reais), mas em 2018 o número será bem maior, contando com o casamento de Harry e a reforma do palácio. Há muita contradição nestes números divulgados.
Dra. Anna Whitelock, uma das historiadoras mais respeitadas do mundo, especialista em monarquia e autora de muitos livros certeiros, prevê que a monarquia não sobreviverá ate 2030.
“Eu diria que até 2030 haverá clamores definitivos pela erradicação da monarquia. Não posso dizer que não existirá mais monarquia. O que posso dizer é que os questionamentos sobre os propósitos e a utilidade dos reis e rainhas serão questionados fortemente”, opina Whitelock.
Poder de rainha
Elizabeth II não é apenas rainha da Inglaterra: ela é a rainha de todos os quatro países do Reino Unido – País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte; e de outros 15 países – Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Antigua, Bahamas, Barbados, Belize, Grenada, Ilhas Salomão, Jamaica, Papua, San Kitts, Santa Lucia, São Vicente e Grenadinas e Tuvalu.
Sem poder politico, Elizabeth II acumula os títulos de chefe de Estado do Reino Unido, chefe das Forças Armadas britânicas, da Comunidade Britânica e da Igreja da Inglaterra e obrigatoriamente deve permanecer estritamente neutra em relação a assuntos políticos. Desde 1688, com o fim do absolutismo, o monarca pode apenas advertir e aconselhar os parlamentares.
Embora exista a obrigatoriedade da neutralidade da rainha, é bem conhecido o episódio durante a campanha do Brexit, quando ela declarou-se a favor do divórcio com a comunidade europeia.
A lei britânica ainda dita alguns privilégios ao monarca como dirigir sem carteira de motorista e ser imune de processos criminais.
O trabalho da rainha e dos outros membros reais é em geral bem decorativo. Dentre suas funções estão à abertura anual do parlamento, visitas a outros países para manter relações diplomáticas, presença em inaugurações e outros grandes eventos.
O monarca é responsável por assinar a aprovação final de toda e qualquer lei, mas desde 1707 não é sabida nenhuma contradição.
Sonegação de impostos
De acordo com o porta voz oficial da família real, a rainha paga impostos como qualquer outro cidadão, mas dois grandes escândalos ficaram bem conhecidos nos últimos anos.
Em 2002, Elizabeth II teria deixado de pagar mais de 20 milhões de libras (cerca de R$ 100 milhões) em impostos sob a herança deixada por sua mãe, Elizabeth I.
Em 2017, com a exposição do “Paradise Papers” e “Panama Papers”, foram encontradas provas de que a família Real investiu na negociação de créditos digitais fora do país para sonegar impostos. A Rainha Elizabeth investiu em negociações baseadas nas Ilhas Cayman e em Bermuda e seu filho, Príncipe Charles em negociações de carbono em Bermuda. Acredita-se que a rainha teria investido mais de £500 milhões (R$ 2.5bi) em off-Shore e seu filho pouco mais de £100 milhões (£500 milhões), mas nunca mais ninguém falou no assunto.
Custos da monarquia aos cofres públicos
O cálculo geralmente divulgado é feito de maneira grosseira. O valor total gasto dividido pelo numero total de habitantes do Reino Unido, o que geralmente resulta em um valor pouco menor de £1 (R$ 5) por mês, por pessoa. Na verdade, não é todo cidadão que paga imposto. Apenas metade da população tem idade trabalhista. E desta metade, 3/5 trabalham e o restante vive de benefícios (bolsa família, auxilio moradia, etc). Considerando apenas o número de trabalhadores ativos, mais da metade não paga imposto porque recebe valor igual ou menor ao mínimo. Logo, a família real custa mais de £9 (R$ 45) para cada trabalhador que paga imposto.
Enquanto 1.4 milhão de pessoas no Reino Unido vive em absoluta miséria, os custos anuais da família real pagos com o dinheiro do imposto do contribuinte são:
Salário da rainha | £82 milhões (R$ 407 milhões) |
Segurança | £3.3 bilhões (R$16.4 bilhões) |
Funcionários | £470 milhões (R$ 2.33 bilhões) |
Viagens | £405 milhões (R$ 2 bilhões) |
Lavanderia | £700.000 (R$ 3.5 milhões) |
Telefones da rainha | £200.000 (R$ 1 milhão) |
Alimentação | £2 milhões (R$ 10 milhões) |
Contas (gás, luz, agua…dos Palácios reais) | £3.5 milhões (R$ 17.3 milhões) |
Esses são alguns dos números dos relatórios da coroa britânica, mas acreditamos que a conta é muito maior. E há muita vaidade embutida também. Imagine o hino britânico “God save the Queen”. Quando a rainha vier a falecer, só a alteração da letra do hino tem custo previsto de £100 milhões (R$ 500 milhões), a coroação terá de ser estilizada e também terá custo alto.
“O custo em si, por pessoa, não é tão absurdo, mas o principio de que cortes são necessários para sustentar esta conta é ridículo, quando inocentes morrem em hospitais públicos por falta de verba e crianças não tem vagas em escolas porque o orçamento foi desviado para a família real. Sim, este valor torna-se muito alto ao cidadão” relata o porta voz do movimento republicano, principal grupo ativista contra a monarquia britânica.
O grupo ativista ainda afirma em suas publicações de que a família real custa de 5 a 6 vezes mais do que o governo divulga e que seguramente é a família real mais cara do planeta. Holanda que tem a segunda família real mais cara do mundo, custa cerca de seis vezes menos do que os valores oficiais divulgados.
Retorno pelo turismo
Os números oficiais mostram que há lucro com o turismo gerado pela monarquia. Pequeno mas há. A ‘marca’ da monarquia é avaliada em £44 bilhões (R$ 218 bilhões). A marca, as jóias, obras de artes e propriedades pertencem ao Estado e não podem ser vendidas pelo monarca.
Se usarmos como base os números oficiais, o lucro do turismo e comissões com os pontos turísticos reais chegariam a £137 milhões por ano (R$ 680 milhões). Porém, se usarmos os números não oficiais, mas bastante conhecidos como reais, o total da conta seria o prejuízo de quase £1 bilhão (R$ 5 bilhões).
Grupos privados de pesquisas e estatísticas mostram que não há relação entre a monarquia e o lucro gerado pelo turismo e mesmo que a monarquia deixasse de existir, o valor acumulado pelo turismo seria o mesmo.
Reforma do palácio e outros custos
O palácio de Buckingham, residência oficial da família real passará por uma reforma que terá duração de uma década. A reforma não será visível ao público e a família não precisará mudar temporariamente. O custo pelas melhorias está calculado em £370 milhões (R$ 1.84 bi) e será pago pelo contribuinte.
O casamento de William e Kate custou aos cofres públicos £34 milhões (R$ 168 milhões) e o casamento de Harry e Meghan, £31 milhões (R$153 milhões). A comemoração de aniversário da rainha que aconteceu neste sábado, 9 de junho, ainda não teve o custo divulgado. Em anos anteriores, a comemoração teve custos de aproximadamente £3 milhões (R$ 15 milhões).
Curiosidade – O dia de nascimento da rainha é 21 de abril, mas nenhum monarca nunca comemorou o aniversário no dia correto. A data de comemoração geralmente é escolhida no meio da primavera, quando a temperatura é mais agradável e a saúde do monarca fica protegida já que o circuito é feito em carro aberto.
Custo x Benefício
A ONG Republic publicou seu próprio relatório das despesas da família real em 2017 e chegou a uma conta de 345 bilhões de libras, contradizendo os £70 bilhões declarados pelas fontes oficiais. O valor é suficiente para salvar o sistema público de saúde.
A grande dúvida do contribuinte é se a monarquia vier a cair, os milhões e milhões de libras usados para sustentar tanta vaidade seriam convertidos em benefícios básicos para a população ou sumiriam desta pequena ilha em benefício da minoria que direta ou indiretamente governa esta nação?
Por Paula Tooths – Jornalista, produtora de TV e escritora, autora de quatro títulos publicados no Reino Unido e repórter do Na Pauta Online.
Para o Jornal na Pauta